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Sequestro na rodoviária: mulher que tirou blusa para estancar sangue de vítima perdeu tudo em enchente e estava fazendo hora extra







Era para ser mais um dia comum na vida de Patrícia Gomes, de 29 anos, que trabalha como caixa de banheiro na Rodoviária do Rio desde abril do ano passado. Mãe solo de três filhos — Juliana, de 10 anos, Giovana, de 13, e João, de 14 —, ela tem feito horas e mais horas extras desde fevereiro, quando perdeu tudo na enchente que castigou a Baixada Fluminense. Sua casa, em Duque de Caxias, ficou debaixo d'água, e só a geladeira foi salva. Na última terça-feira (12), ela já estava além de seu horário quando escutou tiros e viu um homem caminhar em sua direção com a mão no peito e repetir seguidas vezes: "Eu estou baleado". Ela não pensou duas vezes: ainda em meio aos disparos, tirou a blusa do uniforme e estancou o sangue do petroleiro Bruno Lima da Costa, baleado durante o sequestro do ônibus que parou a região por cerca de três horas.

— Eu sinto, era para eu estar ali. Poderia ter sido qualquer outra pessoa, mas era para eu estar ali. Talvez outra pessoa tivesse se apavorado. Eu não. De repente, os dois minutos que tirei a minha blusa e fiquei ali estancando o sangue dele vão ser os dois minutinhos que vão fazer a diferença para salvar a vida do Bruno — diz Patrícia, ainda emocionada com o ocorrido.— E eu quero muito conhecer o Bruno.

Imagens do circuito interno da rodoviária mostram Bruno andando cambaleando logo após ser baleado. Uma das mãos d petroleiro está sobre o peito, Patrícia o ampara e, logo após, ele se senta. É possível ver o momento em que a mulher tira a blusa para colocá-la sobre o ferimento do rapaz. Um funcionário da rodoviária se aproxima para tentar ajudar. Sete minutos depois uma maca chega e Bruno é socorrido.

À base de remédios

Nesta segunda-feira, a rotina de Patrícia de sair de casa em Caxias, ir até a rodoviária, no Santo Cristo, e trabalhar horas a mais para juntar um dinheiro extra e, assim, conseguir continuar a obra de sua casa — que ainda está no cimento puro —, foi interrompida novamente. Desta vez, o que a parou foram as lembranças do último dia que tinha pisado no trabalho:

— Olhei para um lado, olhei para o outro, e senti que não dava para eu ficar ali. Hoje, graças a Deus, eu cumpri minhas horas de trabalho até as 14h, porque estou à base de medicamento, mas não consegui ficar a mais como tenho feito nas últimas semanas. Foi um baque muito forte tudo o que aconteceu. Eu não sigo religião nenhuma, mas acredito em Deus, e era para ser eu ali. Se não fosse a enchente, eu não ia fazer hora extra. Deus sabe de as todas coisas.

Patrícia, que está tomando calmante e remédio para controlar a pressão desde então, relata que no primeiro disparo não tinha se dado conta de que estava tão próxima.

— Eu só me dei conta quando vi o Bruno com a mão no peito me dizendo que estava baleado. Eu até tentei segurar ele para botar sentado em uma cadeira, mas ele não conseguiu sentar, e foi escorregando até cair nos meus pés. Aí eu comecei a gritar por socorro porque na rodoviária tem um posto médico. Eu gritava pedindo ajuda. Quando eu vi que ninguém ainda tinha aparecido, foi a hora que tirei a minha blusa e tentei estancar o sangue dele. Eu fiquei ali flexionando a blusa no peito dele até aparecer um rapaz que também trabalha na rodoviária. Eu falei para ele me ajudar a ficar pressionando, e só uns 10 minutos depois o socorro do posto médico chegou. Nesse meio tempo, o sequestrador ainda deu mais tiro para cima da gente — lembra.

Assim que os socorristas da rodoviária chegaram, Patrícia e outros funcionários correram para o banheiro ao lado da plataforma onde estava o ônibus sequestrado. Além deles, quem estava próximo também foi abrigado por Patrícia, que chamou todos para dentro. No fim, cerca de 20 pessoas ficaram lá até a situação se resolver:

— Todo mundo que eu pude coloquei para dentro, e ficamos até os policiais verem que a gente estava lá e fazerem um corredor para sairmos Era muito próximo. Ele deu tiro de dentro do ônibus na nossa direção, por sorte pegou no alto e não atingiu mais ninguém. O outro senhor, que foi ferido por estilhaços, também ficou no banheiro com a gente. Foi a minha amiga Cíntia que o socorreu. Ela pegou um pano e foi ajudando nos ferimentos dele e o acalmando.

'Eu fiquei com um trauma muito grande'

A cena de Bruno com a mão no peito dizendo que estava baleado não saiu mais da cabeça de Patrícia. No último sábado, após uma partida de futebol, vizinhos soltaram fogos, e seu instinto foi correr. Segundo ela, seu trabalho anterior, como cuidadora de idosos, a ajudou a manter a calma.— Tentei fazer o que eu pude. Como não tinha nada em volta, foi a minha blusa mesmo. Até eu entrar no banheiro e pegar um pano iria demorar muito. Espero que ele saia do hospital e que fique bem. Porque se já mudou tanto a minha vida, para ele eu não tenho nem ideia. Mesmo morando no Rio de Janeiro, eu nunca tinha passado por nada parecido com isso. Era para ser um dia comum e em um lugar que eu tinha sensação de segurança, mas tudo mudou muito rápido — lamenta.

Quando ainda era cuidadora de idosos, o paciente de quem Patrícia tomava conta faleceu em seus braços. E mesmo já tendo presenciado uma situação delicada, ela diz que o que passou na rodoviária "a tirou de si de uma forma que não entende":

— Quando eu comecei a sair da rodoviária, que a adrenalina passou e eu sabia que ele estava sendo socorrido, comecei a passar mal. Minha pressão estava a 25. Até hoje estou com uma dor na nuca que não passa de jeito nenhum, minha pressão não baixa. Mas eu preciso continuar trabalhando, eu só ainda não consigo chegar no banheiro central. Da rampa para a plataforma eu não consigo passar — revela. — Eu fiquei com um trauma muito grande, é uma sensação ruim que parece que tudo vai acontecer de novo. Eu espero que passe logo porque eu preciso trabalhar, continuar a reforma da minha casa e criar os meus filhos.

Força para recomeçar

A pressão de Patrícia ainda preocupa a família. Mesmo com a casa ainda sem móveis, no cimento e com a porta improvisada com pedaços de madeira, a mãe da caixa está com ela desde terça-feira passada. Por causa das condições do imóvel, os filhos estão passando uns dias na casa da avó paterna, mas visitam a mãe todos os dias.

— De lá para cá eu só tenho dormido a base de remédios, ainda mais que meus filhos não estão ficando comigo nessas últimas semanas porque está inviável a situação da casa ainda. Mesmo com a minha mãe aqui eu acordo do nada, aí olho para o lado e vejo que ela está comigo, então, fico mais tranquila. Se eu começo a pensar naquilo, começo a suar frio, me dá até dificuldade de andar. Sei que meus filhos já estão grandinhos, mas isso também me preocupa porque estou doida para ter eles de volta — diz ela, preocupada com o futuro. — Preciso reformar nossa casa. A da avó deles é até aqui perto, então toda hora eles vêm me ver e perguntam se já almocei, se querem que traga uma comidinha, me chamam para ir ao supermercado porque sabem que é a minha terapia. Meus filhos têm me ajudado bastante. Ontem mesmo minha filha do meio ficou aqui até me convencer a ir com ela na rua comprar um biscoito para eu levar para o trabalho. Me fez arrumar o cabelo e tomar banho.

Segundo Patrícia, que recebe um salário mínimo, a obra na casa tem sido feita com o dinheiro que ganha nas horas extras. Na última enchente de fevereiro, a casa dela inundou até a altura da cintura.

— Eu perdi tudo. Agora, com a obra, aumentamos o nível da casa, e espero que a água não entre mais. Por isso que estava trabalhando mais e mais e mais. Fazendo duas, três horas extras todos os dias. E vou voltar, se Deus quiser. Tudo para conseguir terminar a obra e trazer minhas crianças de volta. Eles são uns pestinhas, mas são meus e fazem muita falta — diz, com a voz embargada. — Da enchente, só sobrou a minha geladeira porque os vizinhos são solícitos e, na hora que vimos a água entrando, eles ajudaram a levantar e tirar. Foi só isso que sobrou, mas devagar eu vou conquistando tudo de novo.

No dia do sequestro, Patrícia, assim como Bruno, foi levada para o Hospital municipal Souza Aguiar, no centro da cidade, mas ela não se recorda de nada que aconteceu a partir do momento que saiu da rodoviária. Segundo ela, a memória só ficou clara quando estava em casa.

De acordo com as atualizações do Hospital Samaritano Botafogo, para onde Bruno foi transferido, ele segue em estado grave, mas apresenta sinais de estabilização e sem necessidade de medicamentos para manter a pressão arterial. O rapaz, que sofreu perfurações no coração, pulmão e baço, segue respirando com ajuda de aparelhos.

Patrícia perto e Bruno logo após o rapaz de deitar — Foto: TV Globo/Reprodução
Patrícia perto e Bruno logo após o rapaz de deitar — Foto: TV Globo/Reprodução
O momento em que Patrícia tira a blusa do uniforme — Foto: TV Globo/Reprodução
O momento em que Patrícia tira a blusa do uniforme — Foto: TV Globo/Reprodução
Patrícia pressiona a blusa no ferimento de Bruno, tentando estancar o sangue — Foto: TV Globo/Reprodução
Patrícia pressiona a blusa no ferimento de Bruno, tentando estancar o sangue — Foto: TV Globo/Reprodução



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