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Mulher é acusada de racismo por produtora de peça no Leblon: 'Se dependesse de mim, mandava todos de volta para a África', teria dito







A Polícia Civil do Rio de Janeiro está investigando mais um possível caso de racismo na Zona Sul da cidade. Dessa vez, a denúncia partiu da produtora cultural Patrícia Mendes, que diz ter sido vítima de um ato racista praticado pela aposentada Rosangela Zidan.

Segundo a denúncia, Rosangela se irritou com o atendimento de Patrícia, que é negra, e estava na bilheteria do Teatro Casagrande, no Leblon, na Zona Sul, no último sábado (17). Por conta da demora em localizar os ingressos doados para que ela entrasse no teatro, Zidan teria ofendido todos os presentes.

"Esse tipo de gente não pode ter cargo de autoridade. Se dependesse de mim, juntava todos eles em um navio e mandava de volta para a África", teria dito Rosangela Zidan, enquanto aguardava pelo ingresso gratuito que recebeu.

No último sábado, Rosangela e o filho, Matheus Zidan, saíram de casa para assistir ao espetáculo Dom Quixote de Lugar Nenhum, peça em cartaz no Teatro Casagrande.

Ao chegar no local, segundo relatos, os dois avisaram a atendente que teriam direito a ingressos de convidados. Contudo, Patrícia, que estava responsável por entregar os convites, não localizou o nome apresentado por Rosangela.

Rosângela e o filho, o estudante Matheus Zidan  — Foto: Reprodução

Rosângela e o filho, o estudante Matheus Zidan — Foto: Reprodução

"Eu procurei o nome que ela disse e não estava na lista. Deu o nome de uma outra pessoa. Ela não queria dar o nome dela. Eu entrei em contato com outra pessoa da produção para que a gente pudesse resolver. E pedi que ela esperasse", contou Patrícia.

Nesse momento, diante do primeiro impasse, Rosangela já teria ficado bastante irritada e começou a reclamar e xingar os trabalhadores.

"Ela já veio com o telefone na mão para que eu falasse com essa pessoa que teria conseguido os ingressos para ela. O tempo todo falando palavrão, ofendendo as bilheteiras. Eu respondi essa pessoa no telefone que não poderia liberar sem a autorização", disse.

Antes de tentar novamente uma solução com a produtora chefe, Patrícia contou que ouviu de Matheus Zidan, filho de Rosangela, uma primeira ofensa mais grave.

"Ela estava irritada e reclamando. Ai o filho dela falou: 'Não dá para dar atenção para subalternos'. Todos que estavam na bilheteria perceberam", relatou.

A produtora decidiu continuar atendendo outros clientes da fila. Em alguns minutos, ela liberou a entrada de um casal e percebeu que a aposentada continuava reclamando ao telefone.

Revoltada por não ter seu convite localizado, Rosangela Zidan teria dito: "Esse tipo de gente não pode ter cargo de autoridade. Se dependesse de mim, juntava todos eles em um navio e mandava de volta para a África".

Alguns minutos depois, assim que entenderam o problema, a equipe de produção do espetáculo decidiu liberar a entrada da aposentada. Segundo Patrícia, os ingressos estavam no nome de Rosangela, contudo, ela estava apresentando o nome da pessoa que conseguiu as entradas de cortesia.

Vergonha e medo

De acordo com Patrícia, todos na fila ouviram a suposta declaração racista de Zidan e ficaram indignados. Contudo, ninguém rebateu a aposentada. A produtora contou ao g1 que precisou se controlar para não perder a razão.

"Eu estava atendendo outras pessoas. Aquilo me irritou tanto que se eu saísse eu iria perder a razão. A gente ta sempre com medo de perder a razão. Se você vir no meio da rua uma mulher branca e uma negra brigando, a negra vai ta sempre errada. O lado escuro sempre vai ta errado. E por isso eu me controlei", disse.

"Ela se sentiu oprimida por uma pessoa negra impedir que ela entrasse no teatro. Por isso ela disse que pessoas como eu não poderia ter cargos de autoridade", completou a produtora.

Patrícia Mendes, produtora cultural — Foto: Reprodução redes sociais

Patrícia Mendes, produtora cultural — Foto: Reprodução redes sociais

Patrícia disse que o primeiro sentimento foi de vergonha. Ela queria ir embora. Segundo a produtora, a vergonha era tanta que ela pensou em não registrar o caso na delegacia.

Bomba de preconceito

Com o apoio de outros produtores, do elenco da peça e do dono do teatro, Patrícia decidiu procurar a delegacia no dia seguinte para registrar a denúncia de racismo.

Simone Kontraluz, idealizadora e produtora da peça, lembrou que os atores que interpretam Dom Quixote e Sancho Pança são negros e ficaram revoltados com a situação.

"Esse é um romance de 400 anos e é a primeira vez que a peça é interpretada por uma pessoa negra. Quando aconteceu o fato, os meninos estavam arrasados e eu perguntava por que isso tinha acontecido. Eu chorei e mandei flores para ela e disse que precisávamos ir à delegacia. (...) O elenco inteiro está com ela e não vamos permitir que isso fique assim", disse Simone.

"Sabe o que é mais chocante? Ela falou essa barbaridade e foi assistir uma peça que tem negros no elenco", comentou Simone.

O caso foi registrado na 14ª DP (Leblon), onde Patrícia contou que mais uma vez percebeu o racismo estrutural que está presente em todos os lugares.

Segundo ela, o atendente que recebeu a denúncia na delegacia tentou justificar as falas preconceituosas de Rosangela e disse que ela "deveria estar em um dia ruim".

"Dia ruim todo mundo tem e nem por isso as pessoas precisam pisar nas outras", argumentou a produtora ao g1.

A equipe do g1 entrou em contato com Rosangela e Matheus Zidan, mas até a última atualização desta reportagem não teve retorno.

Ao ser questionada sobre o que esperava que acontecesse com Rosangela no decorrer das investigações, Patrícia só pediu que ela tivesse mais consciência sobre suas atitudes.

A produtora disse que as falas racistas que Rosangela teria dito foram como uma bomba de preconceito, capaz de ferir o alvo dos ataques e todos que estão ao redor.

"Eu quero conscientizar essa pessoa. Eu queria que essa senhora tivesse a noção de como ela magoou essas pessoas. Ela magoou três famílias, sem contar a produção, o elenco, todos. Foi como se ela lançasse uma bomba e cada pedacinho dessa bomba pegasse em alguém. É literalmente uma bomba e os estilhaços podem machucar muito", comparou.

Trabalho social na África

A fala racista que magoou a produtora cultural mandava que ela voltasse para a África junto com outros negros. O comentário preconceituoso é ainda mais cruel quando direcionado para quem de fato esteve na África por dois anos para realizar trabalhos sociais.

Evangélica e formada em comunicação, Patrícia Mendes esteve em Guiné-Bissau, Mauritânia e Serra Leoa, onde desenvolveu trabalhos para crianças nesses países.

"A gente tem que parar para pensar que do outro lado tem uma pessoa com sentimentos, que ta fazendo o seu trabalho. Eu sou mega orgulhosa por ser descendente de reis e rainhas africanas, que foram escravizados. Se parar para pensar, os brancos é que são descendentes de prisioneiros europeus", comentou a produtora, ao lembrar o passado de colonização do Brasil e o período de escravidão no país.

"A sociedade se acostumou a ver a gente pedindo licença para estar nos lugares, mas a gente não precisa pedir licença pra nada", concluiu Patrícia.



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